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Matéria: “Defender a linguagem neutra é defender as pessoas não-binárias”

No dia Nacional da Língua Portuguesa, o cantor Juppi77er explica a importância social e política da linguagem neutra de gênero. Saiba como usá-la.


Publicada pela Emerge Mag em 05 de novembro de 2021


Juppi77er: Trans e não-binário que opta pelos pronomes o/ele/-o (Foto: Arquivo pessoal)


Há poucos dias, uma portaria da Secretaria de Cultura (antigo Ministério da Cultura) proibiu o uso da linguagem neutra em projetos financiados pela Lei Rouanet. O texto, divulgado no Diário Oficial da União, é uma medida do governo federal, porém já há projetos similares em pelo menos 14 estados. (link matéria do O Globo)


Uma vez que quem faz a língua é o povo, ser contra a proibição institucionalizada do uso da linguagem neutra não é chilique. Também conhecida como neolinguagem, a linguagem neutra, numa perspectiva dos Direitos Humanos, é necessária para representar grupos de pessoas não-binárias, formado por quem não se identifica nem com o gênero masculino e nem com o feminino. De acordo com o Guia para Linguagem Neutra, de Ophelia Cassiano, o idioma, ao se basear no binarismo e cissexismo para favorecer “o masculino dominante”, oprime mulheres e pessoas trans não-binárias, intersexo e gênero não-conformantes. Frente a esse panorama linguístico, ativistas do movimento feminista e LGBTQIAPN+ têm questionado – e não é de hoje – o “masculino genérico” presente na língua portuguesa e a ausência de um verdadeiro “gênero neutro”.


Para o cantor e compositor Jupi77er, paulistano de 29 anos, integrante do grupo Rap Plus Size, trans e não-binário, mas que utiliza o/ele/-o, a linguagem neutra é uma maneira de subverter o Português, historicamente machista. Para disseminar a palavra NB, Juppi77er criou o workshop digital “Introdução a Linguagem Neutra”, que explica a origem, maneiras de uso e posições políticas do sistema de comunicação. Ele explica:

“Proibir a linguagem neutra é invalidar a existência e reconhecimento social e político das pessoas não-binárias. Evitar esse sistema de comunica – e o debate acerca dele – também é uma estratégia para manter as pessoas cisgêneras, brancas e elitistas nos mesmos lugares que, historicamente, ocupam dentro do Estado”

O sistema Elu


Na linguagem neutra de gênero, substantivos, pronomes pessoais, contrações e adjetivos são adaptados para não ter flexão de gênero, que é realizada principalmente pelos artigos “a” ou “o” e as conjunções coordenativas “e” e “a”. Dessa forma, em vez de “menino” ou “menina, a linguagem neutra usa “menine”. Já as contrações (preposição + pronome) “dela(s)” ou “dele(s)” passa a ser “delu(s)”. Por sua vez, os pronomes demonstrativos “aquela(s)” ou “aquele(s)” vira “aquelu(s)”; “esta(s)” ou “este(s)” fica “estu(s)”; “mesma(s)” ou “mesmo(s)” se torna “mesme(s)”; “própria(s)” ou “próprio(s)” é “próprie(s)”. Veja alguns exemplos retirados do Guia Para Linguagem Neutra:


Fui convidada pelo próprio diretor → Fui convidade pele próprie diretore. Nenhuma nem outra se machucaram → Nenhume nem outre se machucaram. Cumprimentei tantos convidados que cansei → Cumprimentei tantes convidades que cansei.

Todas as surdas merecem acessibilidade → Todes us surdes merecem acessibilidade.

De acordo com Jupi77er, a linguagem neutra também é mais inclusiva por contemplar pessoas com deficiência, uma vez que quem lê reconhece os termos com maior facilidade. “Antigamente, era utilizado o arroba (@) e o “x” para neutralizar o gênero”, diz ele. “Mas essas palavras não ficavam legíveis, atrapalhavam leitores autistas por exemplo; daí a reformulação.”


Mudança de perspectiva





No podcast Degenerados, os criadores de conteúdo Jonas Maria e Vitor Lourenço dialogam sobre questões de gênero e transexualidade. No primeiro episódio da segunda temporada do programa, eles falam sobre a linguagem não-binária (neutra) e como ela tem sido alvo de chacota e ridicularização na sociedade.


Jonas diz que a linguagem não-binária não vai implicar em uma mudança estrutural. Ele cita que a língua russa possui muitas palavras neutras, mas nem por isso a Rússia é um país menos machista. Porém, ele afirma que o uso da linguagem neutra é uma mudança de perspectiva. “A partir do momento que você fala ‘todes’, o estranhamento que as pessoas têm revela conceitos anteriores”, diz Jonas. Porque ‘todos’ é utilizado de forma geral uma vez que se refere ao “masculino?”


Apesar de parecer um desafio complexo para as pessoas não familiarizadas com as evoluções sociais, conforme a sociedade se transforma, a linguagem também muda. Assim, a existência de um sistema de comunicação de linguagem neutra é essencial para trazer soluções para problemas que já existiam, mas não eram debatidos de forma ampla na sociedade. Agora, cabe a nós torná-lo cada vez mais acessível.


Vale lembrar que a Emerge, desde 2019, utiliza a linguagem neutras em determinadas reportagens. Em 2020, a reportagem “Tão afiada quanto navalha: a poesia do Slam Marginália”, que retrata uma competição de poesia falada exclusiva para pessoas trans e não-binárias, escrita em linguagem neutra, foi uma das finalistas 1º Prêmio de Jornalismo Inclusivo, concurso cultural realizado pela Jornalistas&Cia com o apoio da HBO Latin America. Sucesso, para todes.



Slam Marginália: Tema de reportagem da Emerge, escrita em linguagem neutra, finalista de de prêmio de jornalismo inclusivo. (Foto: Kalinca Maki)


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